Quando nascemos, a percepção ou o olhar que temos para o todo é praticamente nula diante de tudo o que o mundo tem a oferecer. Ainda um feto, interagimos com o pouco do ambiente que nos cerca, sequer aspiramos existir vida após o parto. A vida é mesmo um dilema, aos poucos, após nascidos, vemos que há luz, e essa luz é exatamente o que ilumina o desconhecido. A luz nos provoca desconforto, desperta a curiosidade, queremos descobrir o mundo! Um mundo que para viver precisamos logo aprender o movimento de sucção, o cansar dos músculos nos para por um tempo, mas a fome gera o desconforto necessário para prosseguirmos, logo aprendemos com maestria o significado de determinação. Ao superarmos isso, descobrimos o colo, a manha, a companhia, os sons, a interação com a distância, com a altura, sem nos dar conta de qualquer um dos tantos perigos que nos rodeiam.
Aos poucos, percebemos que a terra gira, não estou falando do movimento de translação ou rotação, isso aprenderemos bem mais à frente. Devagarzinho a luz proporciona que olhemos para os lados, desejamos tocar as coisas, nos irritamos quando não temos à mão o objeto que queremos, ainda que por falta de coordenação motora. Mas o mundo gira quando percebemos que nosso pescoço vira através dos olhos que nos mostram lados, curvas e mais curvas, a cada esquina desvendamos o novo. O mundo que gira é infinito! Nossos olhos nos traçam rotas para engatinharmos, caminharmos, corrermos… A luz nos provoca uma curiosidade pelo novo, não fosse nossos pais, não sobreviveríamos, pois, nossa vida depende completamente da solidariedade dos seres mais ajuizados ao redor de cada um de nós.
Então, sem perceber, crescemos sem saber o que é ser criança, um dia nos deparamos com oito ou nove anos. Não nos demos conta, mas estamos rodeados de irmãos, primos, tios e tias, e mais do que isso, sabemos que temos cadeira cativa no colo de nossos avós, esses seres que em momento algum fizemos esforço para compreender de fato quem verdadeiramente são, simplesmente já vieram junto com a luz que recebemos. Pelos avós somos mimados, presenteados, recebemos deles nossas comidas e sobremesas favoritas, nem se quer sabíamos quais eram, mas eles, peritos em observação, sacaram e nos servem junto com mais um monte de outros mimos… Nos dão os melhores presentes em todas as datas comemorativas, e fora de datas também. Vai passando o tempo pra eles e seus olhos parecem ficar acinzentados, ainda assim não perdem o brilho, o corpo pouco a pouco mais cansado, conversam menos e ouvem mais, continuam a dar presentes, mas agora pedem outros para comprarem, um pouco mais de tempo passa e outras pessoas compram os presentes e assinam o nome dos avós, eles não sabem mais o que estão dando. Quando agradecemos percebemos que eles dizem: ̶ “Pelo quê?”; “Ah! por nada!”; ”Não há de quê!” A verdade é que nossos pais, os filhos de nossos avós, compram agora os presentes para os netos e bisnetos parecendo querer manter viva a tradição, o hábito, a lenda! Ou, quem sabe retardar o medo! … Suas vidas viram uma costumeira rotina: ir ao médico, tomar remédios, receber raras visitas e algumas poucas saídas para almoços e jantares em datas especiais. As novas crianças que conheceram a luz a pouco tempo vão ao colo deles sem haver muita interação, parecendo ser meros registros para tratar da saudade. Jamais saberão de fato quem foram esses patriarcas!!!
O tempo vai passando e achamos que já conhecemos um bom pedaço do mundo. Aprendemos a guardar o dia em que nos deram à luz, desde então, acrescentamos um a um conforme cada ciclo se completa, logo, vão passando anos e mais anos, décadas e mais décadas. A essas alturas, já sabemos cientificamente que nossos avós são simplesmente os pais de nossos pais, mas ainda assim não nos colocamos no lugar deles, a pensar em suas histórias e que um dia também já tiveram pais e avós, já conhecemos eles com esse luto dominado e os temos como super heróis, pessoas que dominaram completamente as memórias e até as más lembranças…
Nesse ínterim, nos apaixonamos, nos desapaixonamos, odiamos e perdoamos, então, encontramos o verdadeiro amor. Nos casamos, nos tornamos pais. Parece que a vida é feita de ciclos, e só compreendemos por inteiro as coisas quando esses ciclos vão se completando, ou talvez, mais precisamente, quando o próximo ciclo já se iniciou. Para ser bem claro, quero dizer que parece que de fato aprendemos a ser família quando nos tornamos cônjuges. Aprendemos a ser filhos e sentimos mais do que nunca o amor dos nossos pais quando nos tornamos pais! Parece que a luz fica a cada esquina nos aprontando uma peça. Quer ver nosso espanto! Nosso susto! Confusos ficamos quando cai essa ficha! Que dura ficha!
O ciclo se completa de novo quando percebemos que estamos com nossos netos de oito, nove, dez ou mais anos em nosso colo. É duro, mas outra obra da luz! Só aprendemos a ser pais quando nos tornamos avós. E ser avós é ter a certeza de que em breve nos tornaremos filhos novamente, ficaremos mais calados, outros tomarão por nós as melhores decisões, comprarão nossas roupas, nos levarão para as consultas médicas, administrarão nossos remédios, não poderemos sair sozinhos, receberemos lugar de honra nos casamentos e estaremos prontos com antecedência esperando a carona para os almoços em família nas mesmas datas de sempre e que a essas alturas parecerão ter um intervalo maior entre uma e outra. Seremos também os últimos a saberem dos óbitos, e olhe lá… Parece que, em fim, saberemos o que é ser criança, a última peça da luz! O grande mistério de tudo isso é que nesse tempo já teremos aprendido tudo! E de fato, saber tudo é ter uma única certeza. A consciência de que não sabemos de nada!
A vida ou a luz, a bem da verdade, nada mais é do que aquela velha cantiga diz: “um grande relógio sem despertador!” Despertamos sempre depois que o tempo já passou e um novo ciclo começou!
By Antonio Vaz
Fico imaginando a vida olhando a gente vir pelo cantinho do olho encostado na parede.
Ela diz: – Sabe de nada, inocente!
😅